A não-ideia surgiu de uma impaciência minha com a necessidade constante e impositiva de produção. Todos – artistas ou não – somos solicitados diariamente a responder de forma “agressivamente criativa” às perguntas: “o que você está fazendo?”, “o que há de novo?”, dentro de um pensamento empresarial ou publicitário ao estilo ISO 9000.
Isso – especialmente no campo da arte – é para mim uma enorme dificuldade. Creio que o tempo em arte é um pouco diferente, ainda que estejamos imersos na lógica produtiva e excitada da comunicação.
Talvez em arte – mas também em todos os processos da vida – a liberdade de “não criar” seja o próprio alimento da sobrevivência criativa. Não ter ideias pode ser o momento do vazio necessário a um fôlego de vida. Apesar de ter imaginado esse trabalho há mais de dez anos, ele parece tomar um desenho ainda mais curioso diante da dinâmica recente das redes sociais – onde as pessoas muitas vezes parecem tão certas de soluções, saídas, produtos, ideias para a vida, que publicam a todo momento suas “realizações” (ainda que se trate apenas da foto do prato de um jantar no restaurante da esquina).
Insisto, então, que, contrariamente a tantas realizações, a existência diária encerra muito mais vazios, falhas, impossibilidades (que, felizmente, também estão nas redes) – embora, claro, todo mundo quisesse sempre ter ideias precisas do que fazer na e da vida. Por outro lado, tais vazios podem ser a garantia mesma de um poder construtivo, realizador – porque falho e humano e lento, porque fora do tempo atropelado da produtividade que nos impomos. Dentro desse pensamento é que desenvolvo o trabalho cujo fio condutor são essas falhas, essas ausências de ideias que gente variada me narra. Situações em que deveriam produzir alguma coisa mas nada lhes veio à mente. Resumo e transponho as narrativas para as faixas.
Assimilar, assim, a falta de ideias alheias à minha própria suspensão deliberada de ideias é, a meu ver, no ramerrão cotidiano e na exigência de “fatos” que o sistema da arte impõe, um ato de liberdade que me garante estar dentro e, ao mesmo tempo, satisfatoriamente deslocada dele.
Em “Eupalinos ou O Arquiteto”, de Paul Valéry, Fedro narra uma conversa que teve com Eupalinos em que esse último lhe teria falado de sua necessidade de “segurar as próprias ideias” para que não fluíssem rápido demais, exatamente para que ele não matasse sua arte de construtor, para que fosse livre. Fedro achou estranho: “Não te compreendo. Esforças-te pois em retardar as Ideias?”. E Eupalinos respondeu: “É necessário. Impeço-as de me satisfazer, difiro a pura felicidade”.
Assim – para que a realização da ideia, da vida e da arte continue – talvez seja de fato preciso, livre do imediatismo paranoico da felicidade, adiá-la.